quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Profissionais dos Cantos Mãe Coruja da IX Geres são capacitados

Relatório da Capacitação dos Novos Profissionais dos
Cantos Mãe Coruja – IX GERES

Responsáveis:
Natércia Gomes de Sousa – Coordenadora Comitê Regional
Flávia Augusta Queiroz – Psicóloga do Canto Mãe Coruja de Santa Cruz
Data: 22 e 23/10/08

Discussões e encaminhamentos
A capacitação foi formatada em dois momentos. No primeiro, tivemos a participação dos novos profissionais para complementação dos Cantos Mãe Coruja de Exu, Ipubi, Parnamirim e Santa Filomena. Já no segundo, proporcionamos a integração dos profissionais que hora chegam com os já atuantes, além dos representantes municipais do Comitê.
Segue então relato das etapas desenvolvidas:

Quarta (22/10/08):
Apresentação Pessoal
No primeiro dia da capacitação ocorreu o acolhimento das novas integrantes do Programa Mãe Coruja. Leonia Carvalho, Fabianne Luna, Cláudia Elayne e Isabel Saraiva compareceram trazendo inicialmente a percepção pessoal de terem sido escolhidas para o Programa, sendo notado em todos os depoimentos o interesse pelo Mãe Coruja, a experiência profissional e a sensibilidade para o trabalho com as gestantes.
Levantamento de expectativas
Foram levantadas expectativas com as profissionais, sendo perguntado sobre “O que é o Mãe Coruja e Como estou me sentindo?”
Neste momento surgiram depoimentos interessantes:

“O Mãe Coruja funciona como uma integralidade articulada em que é possível visualizar em suas ações o ser humano de forma integral”;
“O Programa contribui para a melhora da qualidade de vida da gestante e sua família”.

Apresentação do filme Vida Maria

Foi observado do filme a repetição do ciclo de vida com situações de vulnerabilidade, falta de instrução escolar, trabalho infantil, qualidade de vida, bem como a inexistência de planejamento familiar e orientação dos profissionais da saúde local e de outras áreas, além de retratar a realidade da nossa região. Quando relacionado ao programa, percebe-se a necessidade da intervenção pública para romper esse ciclo, promovendo uma melhor qualidade de vida para a gestante e sua família.

Técnica do Arquipélago

Através desta técnica, trabalha-se a necessidade de passar por três ilhotas - grande, média e pequena. O grupo vivenciou a importância da parceria e integração para o sucesso do Programa, do trabalho em equipe, bem como a percepção dos limites de atuação. Fatores estes, primordiais para a superação de dificuldades que se apresentem.

Apresentação do Programa Mãe Coruja e Avanços do Programa na Região

Na apresentação surgiram questionamentos como: o atendimento de crianças que não participam do Mãe Coruja, mas que se encontram em situação de risco, estando a equipe a compreender que deverá ser feito nesses casos, orientação a família para evitar a mortalidade infantil.
Foi exposto também como reflexão para todos os profissionais, que em muitos casos, quando o profissional reclama que está fazendo pouco pela gestante, pela ótica desta o pouco feito é muito, na condição desta nunca ter tido atenção e assistência profissional.

Técnica de Mudança de Peças

Através desta técnica, em que foi pedido a identificação de peças e acessórios usados no momento pelo colega, foi explorada a necessidade de observar e não apenas olhar as diversas situações vivenciadas no programa de forma a estimular o foco nas ações desenvolvidas.
Formulários e Planilhas de Monitoramento
Apresentação e explicação dos formulários e planilhas de monitoramentos utilizados no programa, frisando o fluxo de entrega desses informes.
Em círculo e de mãos dadas, uma doando e outra recebendo, concluímos o dia lançando a pergunta de como cada um se vê no Mãe Coruja. O grupo colocou a importância do compromisso, percebendo-se como um ser integrante em busca de vidas melhores para as gestantes da região.

Quinta (23/10/08):

Apresentação/Integração
Feita apresentação dos profissionais atuantes e novatos, além dos membros do Comitê iniciando a integração necessária entre a equipe.

Papéis dos Atores Envolvidos.

Apresentação do fluxograma do Programa, mostrando os papéis desempenhados pela Coordenação Estadual, Comitês e Equipe Técnica dos Cantos Mãe Coruja. Cláudia Alves e Marcelo Marques, representantes de Moreilândia e Santa Cruz no Comitê Regional, respectivamente, destacaram importância da articulação com o município, informando que “o membro do comitê abre caminhos dentro do município para a equipe do Programa Mãe Coruja atuar”.

Exposição Cantos Mãe Coruja

Foi solicitado que cada Canto Mãe Coruja apresentasse o desenvolvimento do Programa em seu município, possibilitando uma visão geral das atividades já executadas. Profissionais pontuaram a mobilização com os atores sociais, a relação com as Secretarias Municipais e Estaduais (saúde, educação, assistência social, agricultura/IPA, mulher) e como se encontra o cadastramento das gestantes e seu acompanhamento.

Moreilândia

Relatou que no início foi difícil, contudo atualmente existe boa parceria entre o programa, as secretarias do município, a sociedade civil e o Gestor. A dificuldade existente é a relação com a secretaria de Ação Social.

A Secretaria de Saúde facilita na realização de consultas, exames e ultra-som. O Conselho Tutelar realiza junto ao Canto visitas as gestantes adolescentes. E o IPA, também parceiro, promove reuniões com as gestantes e a Secretaria de Educação o Círculo de Cultura.
Cadastradas 90 gestantes e atualmente acompanhados 8 bebês corujas.
“O trabalho é árduo, mas esse mesmo trabalho é o que nos dar força para superar obstáculos”.

Bodocó

Foi relatada a realização de reuniões com a secretaria de saúde, educação e assistência social, estando esta sempre disponível inclusive, com o oferecimento de espaço inicialmente para o Canto Mãe Coruja. Outra parceria com o CRAS foi ter disponibilizado um oficineiro para ensinar bordado em peças do enxoval às gestantes do círculo de cultura. Esta parceria com as três secretarias citadas acima foi reforçada no momento da entrega dos enxovais, com a participação dos respectivos Secretários. Contam ainda com o IPA como parceiro.

Atualmente possuem mais de 180 gestantes cadastradas e entregaram 9 enxovais. Quanto ao acompanhamento dos bebês corujas, percebe-se a necessidade de mais dedicação.

“O processo do cadastro não é tão simples, precisamos buscar parcerias, e começamos a sentir dificuldades a partir do momento em que o comitê se afasta da equipe”.
“Sentimos falta de retorno do Hospital Regional, em que as gestantes são transferidas e não são comunicadas ao município”.

Exu

Houve mobilização com todos os atores sociais. Membro do Comitê relatou que mesmo sem profissional no Canto Mãe Coruja, conseguiram realizar a capacitação Nenhuma Pernambucana sem Documento e manter o funcionamento do Círculo de Cultura e o Curso de Qualificação Profissional.

“Valorizo a necessidade de dar início do cadastro pelas gestantes do Círculo e do Curso de Qualificação, elas estão muito ansiosas.”

Falou ainda da solidariedade das gestantes, em que uma delas, adolescente de 13 anos, teve seu bebê e as demais foram visitá-la, mostrando a formação e fortalecimento de vínculos afetivos entre elas.

Quanto à continuação do cadastro, verbaliza “a necessidade de romper com o ciclo vicioso da mãe só ir ao PSF com o filho quando este está doente, elas precisam ver o PSF como prevenção e não como espaço ambulatorial”.

Ouricuri

Foi mobilizada a Saúde e a Ação Social. Com a primeira observa-se a necessidade de reforçar o objetivo principal do Mãe Coruja, tendo em vista que as enfermeiras estão resumindo as atividades do Programa a entrega de enxoval e, com a segunda secretaria mencionada, observa-se uma grande parceria. Foi realizada também parceria com a secretaria de educação.
No início dos cadastros somente uma técnica pôde estar presente, mas atualmente foi normalizado, contando com 320 gestantes e 23 bebês corujas, contudo está sendo difícil fazer o acompanhamento destes por falta de parceria com a saúde, não tendo disponibilizado carro para atingir os 18 PSF´s do município.

Quanto aos dados de óbitos, estão sempre solicitando, contudo não estão tendo retorno, conforme informa a Psicóloga do Canto.

Ipubi

Muitos atores se colocaram disponíveis no início do Programa, mas quando procurados, não firmavam parcerias. A parceria com a equipe de saúde, por exemplo, teve mais êxito quando procurada individualmente. “Reconheço falha minha na primeira mobilização, mas na segunda vou fazer diferente”, relatou a Psicóloga do Canto.

O círculo de cultura ainda não está funcionando, mas já foram identificadas através do cadastro 20 gestantes com perfil. E o curso de Qualificação Profissional conta com 25 gestantes participando do II Módulo.

Estão cadastradas atualmente 137 gestantes, tendo 2 distritos distantes que não foi possível fazer a visita. Foram entregues às gestantes 15 enxovais, sendo uma mãe de gêmeos.

Granito

Realização de mobilização com todos os atores, dificuldade somente encontrada com os extensionistas do IPA que não participam das reuniões do comitê municipal. Quanto ao PSF estão realizando cadastros in loco no dia do Pré-Natal.

Percebem a necessidade de melhorar o acompanhamento dos bebês, tendo em vista que o ACS às vezes não comunica o nascimento destes.

Santa Cruz

O Mãe Coruja foi aceito por todos os atores envolvidos, com destaque para as próprias gestantes que comparecem em peso para participarem de diversas atividades.

Estão atuando com Círculo de Cultura e Curso de Qualificação Profissional, sendo preciso em alguns momentos realizar reuniões com as gestantes quando se percebia a evasão.

A parceria com os PSF´s e Epidemiologia está permitindo a atualização dos óbitos existentes no município, acompanhamento dos bebês corujas e acompanhamento de partos, em que as próprias gestantes se habituaram em avisar quando estão próximas a ganharem bebês.

O cadastro atualmente conta com 105 gestantes e perceberam a necessidade de buscar novas gestantes, tendo em vista que este número de cadastros só vai aumentando e não diminuindo, na medida em que surgem novas mulheres grávidas.

Após apresentação houve debate e reflexões sobre as ações desenvolvidas em cada Canto Mãe Coruja, dando subsídios para os novos profissionais terem conhecimento amplo e geral das ações, além de contribuir para a integração deste com o Programa/equipe.

Diagnóstico

Pontuado a importância do acompanhamento do diagnóstico feito pelos profissionais no início dos trabalhos, frisando ao município de Santa Filomena que será necessário a elaboração deste, para instrumentalizar seu trabalho.

Finalização

Celebrando a capacitação, os profissionais avaliaram em círculo como sendo importante o momento vivenciado para a integração grupal, bem como aprofundar os conhecimentos em torno do Programa, considerando ainda, válido desenvolvermos outros momentos para troca de experiências. Pontuaram ainda, que na região do Araripe, o Programa evolui em conjunto, com trabalho e dedicação de todos.

ANEXOS

Foram entregues pastas contendo materiais considerados importantes para o conhecimento dos profissionais, como: folder explicativo e apostila sobre o Programa, Política de Fortalecimento da Atenção Básica, Protocolo Operacional, cópias dos decretos nº 30.859 e nº31.247, referente a criação do Programa e cadastramento das gestantes, respectivamente, também a portaria nº 1.119 que regulamenta a vigilância de óbitos maternos, além de formulários utilizados na execução das ações.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O tempo de uma gestação

Por Danièlle de Belli Claudino, do Comitê de Assessoramento do Mãe Coruja Pernambucana


Na foto de Iramarai Vilela, a alegria da assistente social
do Canto da Mãe Coruja de Venturosa, Djane Patrícia de
Oliveira, ao acompanhar uma mamãe e seu filho.




Para todos e todas que fazem e que estão por consolidar esse programa,
Para todas às mulheres pernambucanas,
Para todos os pequenos e pequenas que estão por vir.

As minhas simples e sinceras palavras.



Para começar a falar do Programa Mãe Coruja Pernambucana seria preciso realizar uma viagem dentro da gente que olhasse para trás com um sentimento de esperança e que enxergasse no seu futuro a realização de um sonho coletivo, uma construção democrática, que por ironia da vida, durou uma gestação. Foram nove meses de reuniões, de retiradas de pontos e vírgulas; de dezenas de interrogações; mas, muitas e muitas exclamações.

Estávamos alguns poucos, no início de tudo, ali, diante de algumas fotos e dos relatos das primeiras viagens de Bebeth ao sertão de Pernambuco, conhecendo e reconhecendo um território esquecido por muitos, aqueles que não se indignaram com a fome e com os cemitérios clandestinos dos pequenos e pequenas dessa terra guerreira.

Os indicadores sociais nos apontavam para um caminho de beleza natural de fazer marejar os olhos de quem sempre morou perto do mar. Bem na nossa frente estava a Serra do Araripe, o luar do sertão e o verde esmeralda das águas do velho Chico. Bem na nossa frente também lares de taipa, roupas simples penduradas no varal, uma cisterna e crianças com enxadas na mão. Realidade vivida de quem fazia muito tempo não viajava pelas estradas do nosso estado e que se confrontava com uma realidade ainda mais excludente do que a imaginada. Eram as Vidas Severinas do passado, Vidas Marias do presente.

A decisão estava tomada, era preciso “cuidar da vida do começo” lembro de Renata Campos; cuidar daquelas que geram a vida e de todos aqueles que estão por vir. Isso não poderia fazer parte de um só, isso era parte de um conjunto de atores sociais que cientes do compromisso e da importância da construção de uma política pública que pudesse, em seus objetivos, propor atenção integral às mulheres gestantes, às mamães, às Marias e Anas. Aos Pedros, Carolinas. A todos que mamam e a todas que merecem mamar. A todas que merecem receber seus filhos através de um parto humanizado. Uma política pública focada na reversão da exclusão dos direitos que por anos foram negados. Direitos aos que devem crescer com saúde e oportunidade e aquí tomo a liberdade de citar também Dom Mauro Morelli onde ele nos diz que “ a criança não pode morrer criança”.

No percorrer desse caminho, chegaram outros, segmentos sociais e as secretarias de Saúde, Educação, Agricultura, Assistência Social, Planejamento, Mulher e juventude. Discutindo conceitos, premissas; propondo mudanças, cobrando ações, viajando pelo sertão, realizando reuniões. Visitando os Cantos, realizando capacitação, escutando a voz de quem por anos não era ouvido pelo poder público, pelo governo; os sonhos, os desejos e luta na nossa gente.

Mãe, Mãe Coruja Pernambucana, que lindo nome tem esse programa social que une direito e afeto, que lembra da primeira foto, do álbum do bebê, que se preocupa com a família e com a comunidade onde vive a criança. Mãe Coruja, programa que fomenta o fortalecimento dos laços, que assegura capacitação profissional, que se insere em uma proposta de alfabetização contextualizada com a realidade cultural de gente de rostos marcados. Que fomenta o Leite de Todos para quem também tem leite e combate a desnutrição. Que orienta as famílias para uma alimentação mais simples e nutritiva. Para o aproveitamento da macaxeira, do inhame, mel e banana, que se lembra das coisas que nascem no pequeno quintal. Que fomenta a dignidade de quem não tinha na mão e até não sabia da importância da documentação. Assinar o nome e compreender o que é ser cidadã e o que é ser cidadão. Receber uma lembrança que nada mais é do que uma atitude de cuidado, de zelo, de assistir um sorriso largo de uma mulher. Saber que o seu bebê será agasalhado se ela realizar todos os cuidados para uma gestação saudável.

Giramos em vários graus, olhamos o todo e vamos avançando para um caminho de possibilidades e concretizações de direitos. Um ano de movimentos e de muitos desafios também. Combater a mortalidade infantil e materna em Pernambuco é uma tarefa de todos nós, governos, família a sociedade. Vamos partilhando saberes e compreendendo cada vez mais o sentido da vida e o pulsar de um pequeno coração. Vamos sem perceber, lembrando de gente que ao longo da sua história lutou e deixou lições de sabedoria e sentimento pelo povo pernambucano; lembrando de um homem que deixou marcas e não cansou de caminhar do litoral ao sertão.

Parabéns Mãe Coruja Pernambucana.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um grande desafio

Encontro com profissionais de saúde em Arcoverde
Um dos cemitérios clandestinos na região do Araripe

Por Iramarai Vilela, do Grupo Alma (Amor, Literatura, Movimento e Arte)

Estamos mergulhados numa velocidade e ânsia para conseguir bens de consumo no sentido de melhor satisfazermos as nossas necessidades aqui na terra. É real e justa esta imersão. É real e justo que todos indiscriminadamente se sintam satisfeitos na conquista destes mesmos bens de consumo. É real e justo que cada vez mais nos apropriemos de conhecimentos tecnológicos, no sentido de agilizar a produção destes mesmos bens, pois a cada dia estamos consumindo mais e mais. É real e justo que governantes e organizações garantam estas conquistas. Chamamos a tudo isso de desenvolvimento econômico...

No dia 4 de outubro, o Programa Mãe Coruja Pernambucana foi lançado no Sertão do Araripe, uma região do nosso estado marcada por dificuldades. Uma realidade onde muitas mulheres e crianças ainda morrem. O sentimento muitas vezes é banal, mas as pessoas estão consumindo mais e mais, contraditoriamente, e tendo acesso as benesses da tecnologia.Talvez ainda seja pouco o tempo .


Estou lendo um livro de Leonardo Boff que se chama “Saber cuidar”, onde o autor aborda de maneira brilhante este sentimento que é inerente ao ser humano, o cuidado. Confesso que estou a cada dia, mais e mais, alimentando este sentimento com os meus familiares, amigos, com a Mãe Terra e vislumbrando todos resgatando esta dádiva.

Caminhada - Fizemos em um ano uma linda caminhada nesta região: espalhando esperança, estimulando, alimentando sonhos, enfatizando a palavra “cuidado”. Encontramo-nos com médicos, enfermeiros, dentistas, auxiliares nestas áreas, agentes de saúde, organizações as mais diversas. Percebi que todos buscam pelo desejo de participar destes encontros, uns mais, outros menos, e alimentar esta virtude que é o cuidado.

Quando digo uns mais outros menos, recorro a “ânsia do consumir”. Esta busca desenfreada pelos bens de consumo provoca competições, aguça vaidades, estimula a ganância, destrói convivências, exaure os recursos da Mãe Terra, de onde viemos e pra onde voltaremos. Não estou aqui falando de bens de consumo básicos necessários ao bem viver.

Cuidado, segundo Boff, significa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato.

Trabalhamos durante este período, no Mãe Coruja, nesta linha do cuidado. É inerente a cada um de nós o cuidado, porém existem inimigos que nos afastam a cada dia, nos remetendo a um des-cuido.Temos que enxergar de maneira clara o verdadeiro inimigo para não estarmos construindo algo sem consistência duradoura: sem alma, sem amor, sem sentimento. Que inimigo então nos rodeia?

No livro de Ivis Pedrazzini “Violência das cidades”, ele coloca que a economia globalizada neoliberal é o grande inimigo. Destrói as convivências,coloca cada vez mais os pobres em guetos sem os serviços mínimos necessários à sobrevivência em favor das grandes construtoras e de um plano diretor urbano para os que podem, alimenta a indústria do medo, estimulando a violência urbana em favor do consumo de produtos e serviços de segurança particular, alimenta a saúde privada em detrimento a um sistema de saúde pública e por aí vai...

Faço questão de detalhar o que parece sem importância em um processo que exige estar claro pra onde queremos ir. Mudanças de comportamento, quebrar paradigmas esses tem sido o objetivo de nossa caminhada no Programa Mãe Coruja Pernambucana durante um ano.

O Mãe Coruja, como expressou Luiz Matias, ACS de Sertãnia, é "essa coisa tão linda".

É mesmo lindo. Desde o momento de sua concepção, as pessoas estavam iluminadas. O café da manhã no Palácio a convite do governador e primeira dama, com prefeitos e suas primeiras- damas, no sentido de sensibilizá-los e envolvê-los no Programa. O dia do lançamento era uma grande festa da vida. Os momentos de encontros em todos os municípios. A preocupação com o processo de seleção dos profissionais que estão nos Cantos Mãe Coruja. O planejar as suas capacitações, cadastrar as lindas gestantes, segurar a mão com cuidado, conduzindo-as para o que é seu direito: saúde, educação, trabalho, dignidade, assim como seus rebentos.

Estamos no momento de estruturação do Programa, onde gestantes estão cadastradas, uma rede de serviços e cuidados está sendo colocada à disposição destas mulheres e suas famílias. Elas vão deixando para trás as suas "Vidas Marias" para se tornarem "Marias livres", construindo caminhos novos. E com elas e com o Mãe Coruja Pernambucana vou caminhando livre e aprendendo cada vez mais a cuidar.

Dedico a todos e a todos que estão construindo esta linda Jornada

Iramaraí é marceneiro, agora pedreiro, escultor e sonhador.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Colocando flores no caminho: Um ano de Mãe Coruja Pernambucana.

Família de Janimeire Venturosa Bacurau, no Sertão do Araripe: uma das primeiras a ser acolhidas pelo Mãe Coruja.
Por Samarone Lima, do grupo ALMA (Amor, Literatura, Movimento e Arte)

Há pouco mais de um ano (04 de outubro, dia de São Francisco), estávamos celebrando, com uma grande festa, em Ouricuri, o lançamento do Programa Mãe Coruja Pernambucana. Lembro que parte do nosso grupo da Secretaria Estadual de Saúde (SES) viajou antes para o Sertão, para organizar tudo. Iramarai, Naná e Boy fizeram de tudo para que tudo corresse bem. Os 11 municípios da região da IX Geres foram mobilizados, foram montadas barracas, e na praça principal da cidade, vários profissionais da Secretaria Estadual fizeram um ninho, simbolizando o nascimento do Programa.

Foi uma bela festa. Gildázio Moura, da Saúde do Trabalhador, se tornou o locutor improvisado. Bandas municipais, grupos de xaxado, de idosos, dançarinos de várias idades, se apresentaram, durante todo o dia. À tarde, a festa aumentou, com a chegada do governador Eduardo Campos e sua comitiva.

Nascia um Programa cheio de desafios, e logo em seguida começaríamos processos coletivo dos mais emocionantes – os encontros com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS). O objetivo era sensibilizá-los para o Programa. Começava a nascer, nesses eventos cheios de calor humano, o “corujismo” - sentimento de fazer parte de um programa que iria unir esforços para melhorar as condições de vida das gestantes pernambucanas e seus filhos.

Foram muitas viagens, atravessando o estado, geralmente sob o comando do motorisfa Francisco Correia, ou de Belám. Lembro do primeiro encontro, em Ouricuri. Tânya,do Chapéu de Palha, e Ana Maria, do Monitoramento, se encarregavam da “Árvore da Vida”, a atividade de integração. Iramarai Vilela, que depois se transformou no fotógrafo oficial do Programa, convidou Frei Aluízio Fragoso para fazer a sensibilização inicial. Foi surpreendente e belo ver dezenas, às vezes mais de uma centena de profissionais de saúde cantando “não quero lhe falar meu grande amor/Das coisas que aprendi nos livros”, uma bela canção de Belchior, puxada por um frade franciscano.

Uma das atrações de cada encontro, era a exibição do filme “Vida Maria”, do cearense Márcio Ramos, que mostrava a realidade de muitas famílias do Sertão, as “marias”, que deixam de estudar para trabalhar, e seguiam vidas marcadas. Os debates que se seguiam eram fortes, com pessoas relatando a vivência como ACS, falando de suas vidas, e o que pretendiam fazer para mudar certas realidades.

“Não sou mais uma Maria, porque já fui. Se eu fosse, estaria igual àquela Maria. Teve uma cena que me chamou a atenção aquele milho que ela jogou no pilão. Era milho, e eu já fiz muito, para dar comida ao meu irmão. Essas marias não têm alternativas. Quando a mãe puxou a filha para trabalhar, só tinha aquela fonte de água. Não tinha um pé de planta, um boi, um bode, uma galinha, era uma alternativa. Não sou mais uma Maria, sou eu”, contou a Maria do Socorro, ACS de Ipubi, num encontro em fevereiro.

Ainda sobre o filme, o depoimento de Ailton Peixoto, do PSF Cohab, em Trindade, chamava a ateneção:

“Gostaria de pedir perdão a todas as mulheres aqui. Sabem por quê? Por que os maiores vilões da história somos nós, os homens. O único momento no filme em que apareceu um homem, foi para se aproveitar. Graças a Deus, sou dessa família, dos Agentes Comunitários de Saúde. Um dia, os homens não precisarão pedir perdão, mas agradecer por tudo o que fizeram por nós”.

Ana Elizabeth, a Bebeth, falava sobre o Programa, como iria funcionar, os Cantos da Mãe Coruja. Rizete Costa, Ana Paula (IPA), Mariana Suassuna, integrantes das diversas secretarias, mostravam a articulação, os desafios. Carmem Patrícia explicava o funcionamento do programa “Leite para Todos”. Depois, chegaram as camisas do Mãe Coruja, que se tornou nosso uniforme de trabalho. Todos vestiram de verdade a camisa.

Pouco depois, Frei Aluízio compôs uma “Ciranda do Mãe Coruja”, que logo se tornou a canção de abertura e encerramento dos trabalhos. Quantas cirandas dançamos, todos juntos, alimentando a paixão pelo Programa!

Araripina, Exu, Moreiândia, Santa Cruz. Fomos conhecendo os ACS, trabalhadores dedicados, apaixonados pelo trabalho. Pelos meus cálculos, viajamos juntos para o Sertão do Araripe no mínimo umas dez vezes, o que representa mais de 15 mil quilômetros de estrada.

Iramarai, de tão apaixonado pelo Programa, ganhou o apelido de “Coruja”. É comum escutarmos na Secretaria perguntas assim:

“Cadê o Coruja?”.

Outro dia, recebi as fotos dos diversos Cantos da Mãe Coruja. A cada relatório enviado por Natércia, falando sobre a evolução das coisas, as dificuldades, sinto que o Programa vai se fortalecendo.

Nos muitos depoimentos que coletamos, foi possível perceber a expectativa dos envolvidos – que o Programa “saísse do papel”.

Não tenho a menor dúvida que o Mãe Coruja há muito tempo saiu do papel. Vários Cantos da Mãe Coruja já funcionam, os cadastramentos seguem, o cuidado com as gestantes faz parte do cotidiano.


Lembro que em um desses muitos encontros, Bebeth disse o seguinte:

“O caminho é cheio de pedras, mas vamos tirar pedras e colocar flores”.

Sinto que todos os corujas, em diversos níveis, cargos e desafios, estão fazendo isso. Estão colocando mais flores no caminho. Votos de vida longa ao Mãe Coruja Pernambucana.